31/10/2007

Araci de Almeida 1951 "Noel Rosa" [Continental Volume 2]

Com este álbum bastante especial, marcamos a volta das atividades em nosso site, agora em novo visual. O motivo é simples: este é um dos primeiro álbuns produzidos no Brasil. Trata-se do segundo volume de um álbum que trazia três discos de 78 rpms [os dois volumes totalizam seis discos] encadernados com capas duras como num álbum de fotografias, daí a origem do uso desta palavra para descrevê-los.

“Noel Rosa” foi lançado no início de 1951, seguindo uma tendência do mercado norte-americano, que vinha organizando os discos de 78 rpms em coleções encadernadas já há alguns anos. No Brasil, as pioneiras a lançarem estes álbuns foram a representante nacional da gravadora Capitol e a Continental. Entre 1950 e 1951 a Continental lançou três destes álbuns, os dois volumes de “Noel Rosa” na voz de Araci de Almeida e um outro com músicas do compositor Sinhô na voz do cantor Mário Reis. Estes foram os primeiros lançamentos fonográficos no Brasil a ganharem capas coloridas e textos informativos, elementos que mais tarde caracterizariam os long-playings. Os dois volumes de “Noel Rosa” trazem na capa uma belíssima gravura colorida feita por Di Cavalcanti especialmente para este lançamento, um assombro de criatividade que se fazia presente naqueles anos, como valorização da cultura nacional.

Além da bela embalagem, o segundo volume de “Noel Rosa” na voz de Araci de Almeida, coloca novamente a cantora ao lado da orquestra de Radamés Gnattali para mais seis regravações de sambas consagrados de Noel Rosa. Há um longo texto sobre o sambista da Vila Isabel de autoria de Lúcio Rangel, além de sua auto caricatura. Sobre Araci o texto ficou à cargo de Fernando Lobo, com caricatura de Augusto Rodrigues datada de 1947. E claro, há a música, os clássicos como “Feitio de Oração”, “Silêncio de Um Minuto”, “Pra Que Mentir”, “Três Apitos”, “Com que Roupa” e “O Orvalho Vem Caindo”, estas últimas em arranjos animados com participação vocal e instrumental dos trios Madrigal e Melodia. Contrastando com os sambas-canção doloridos que ganham dimensão na interpretação consagrada da “Dama do Encantado”. Os arranjos oscilam entre a tímidamente entre as orquestrações originais e a inovação. Não há música ou passagem que se destaque em um disco perfeito, mas ouso opinar que aqui está a mais bela gravação de “Feitio de Oração”. Segundo Noel Rosa, Uma Biografia de João Máximo e Carlos Didier [Editora da UNB, 1990], “Três Apitos” ainda era inédita em discos e “Silêncio de Um Minuto”, seria gravada pela primeira vez com a letra completa - a gravação anterior foi feita em 1940 pela grande cantora Marília Batista, tão importante para a obra de Noel quanto Araci, e que estará sendo revisitada em futuros posts por aqui.

Para ir além, o primeiro volume deste álbum histórico foi postado alguns meses atrás pelo site loronix, e pode ser baixado aqui. Nele estão as faixas “Palpite Infeliz”, “Conversa de Botequim”, “Feitiço da Vila”, “Último Desejo”, “Não Tem Tradução” e “O X do Problema” Fica a indicação e o nosso agradecimento.


Araci de Almeida ao lado do avião produzido em homenagem a Noel em foto de José Medeiros, 1949; abaixo auto caricatura do sambista.


Araci de Almeida “Noel Rosa” Volume 2
1951 Continental

caricatura de Aracy feita por Augusto Rodrigues em 1947.


01 Pra Que Mentir [Noel Rosa, Vadico] samba-canção 78 rpm 16391 A
02 Silêncio de Um Minuto [Noel Rosa] samba-canção 78 rpm 16391 B
03 Feitio de Oração [Noel Rosa, Vadico] samba 78 rpm 16392 A
04 Três Apitos [Noel Rosa] samba-canção 78 rpm 16392 B
05 Com Que Roupa [Noel Rosa] samba 78 rpm 16393 A
06 O Orvalho Vem Caindo [Noel Rosa, Kid Pepe] samba 78 rpm 16393 B

abaixo Aracy é beijada por Ary Barroso nos estúdios da Rádio Tupi, ao fundo Carlos Galhardo.

Margarida Lopes de Almeida 1955 "Recital" [Festa LPI 1004]


Na década de 1950 era comum o lançamento de discos com recitais de poesia no Brasil. Alguns destes LPs se tornaram grandes sucessos de vendas, como o “Bilac em Hi-Fi” da gravadora Musidisc, lançado em 1957, com o rádio-ator Floriano Faissal declamando Olavo Bilac, que chegou a estar no topo das paradas, segundo revistas da época. À exemplo da Musidisc, a Odeon e a RGE também colocaram na praça discos explorando este mercado. No entanto, nenhum outro selo foi tão radical quanto o pequeno Festa, fundado pelo jornalista, sonhador e boêmio, Irineu Garcia.

O selo Festa formou um catálogo tão impressionante quanto numeroso, com registros históricos das vozes e da obra de autores como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Cecília Meirelles, Guilherme de Almeida, Olegário Mariano, Menotti Del Picchia, Jorge Amado, Pablo Neruda... A lista é longa. Além dos próprios autores declamando seus poemas, os discos da gravadora Festa também destacavam atores conhecidos como Margarida Lopes de Almeida, Paulo Autran e outros. Um LP lançado por João Villaret, ator muito famoso na época, se destacou entre as vendagens do selo e fez enorme sucesso. O que talvez tenha incentivado Irineu a expandir sua gravadora e se aproximar da música. Seguindo o alto padrão de qualidade que buscava para seus discos, editou obras eruditas brasileiras e aos poucos foi se enamorando da música popular.

Conta o amigo Dorival Caymmi que: “o Irineu [Garcia] fazia aquilo por paixão, procurando artistas novos pela noite...” Apaixonado e convivendo com o meio desde os anos 40, Irineu não tardou a perceber que a produção musical no Brasil de sua época era algo de genial. “O interesse dele voltou-se para Elizete Cardoso, mas aí João Gilberto nem era conhecido ainda...” - continua Dorival. No entanto, através de Vinicius de Moraes, Irineu Garcia colocou pela primeira vez em um mesmo estúdio Antônio Carlos Jobim, João Gilberto e Elizeth Cardoso para registrarem “Canção do Amor Demais” [1958 Festa LDV 6002], disco considerado divisor de águas na história da nossa música.

O selo Festa ainda editou dois LPs fantásticos da cantora Lenita Bruno, ao lado da orquestra de seu marido, o grande maestro e pianista Leo Peracchi, e entre outros, colocou na praça discos de artistas fundamentais como Radamés Gnattali, Vadico e Nicolino Cópia.

Aqui temos Margarida Lopes de Almeida, atriz e declamadora, filha do casal de escritores Júlia Lopes de Almeida e Filinto de Almeida - estão entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras -, interpretando poemas brasileiros com as inflexões vocais típicas da época, em dois “estilos” diferentes. No lado A: poesia digamos mais “tradicional”, representada por nomes do passado como Martins Fontes - na lúgubre e fantástica descrição da cidade de São Paulo em “Serenata”, e Olavo Bilac - com o famoso “Via Láctea”: “...amai para entendê-las, pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e entender estrelas.” No mesmo “espírito” estão Raul Machado, Afonso Lopes de Almeida [irmão de Margarida] e Artur de Sales - em “A Música dos Bilros” foram incluídos ruídos típicos destes pequenos instrumentos de madeira usados pelas rendeiras, em uma tradição secular que perdura do Brasil colônia e ainda pode ser encontrada em comunidades mais ou menos isoladas, distribuídas pelo nordeste e especialmente na Ilha de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis.

Já o lado B é preenchido por uma poesia um bocado mais “moderna”: com Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Guilherme de Almeida e Manuel Bandeira. “Há nos versos qualquer coisa que vai diretamente à emoção do ouvinte; este não tem tempo de ligar idéias, perceber intenções, as quais só na leitura pode com vagar apreender. A poesia ouvida tem de ser sentida imediatamente; é necessário que o poema impressione, seja pelo efeito da voz, seja pela possibilidade de efeitos plásticos que o intérprete ponha em jogo na representação”. Escreveu a artista Margarida Lopes de Almeida na contra capa deste pequeno LP em 10 polegadas lançado pelo extraordinário selo Festa em 1955, selo criado pelo sonhador Irineu Garcia que se preocupava até mesmo em creditar os artistas que faziam suas capas, nomes como Lígia Clark, Di Cavalcanti..., aqui: Athos Bulcão, com fotografia de Hess.


Recital de Margarida Lopes de Almeida
1955 Festa [LPI 1004]


01 Via Láctea [Olavo Bilac]
02 Serenata [Martins Fontes]
03 Póstuma [Raul Machado]
04 Ciranda [Afonso Lopes de Almeida]
05 A Música dos Bilros [Artur de Sales]
06 Romance de Nossa Senhora da Ajuda [Cecília Meireles]
07 Passagem da Noite [Carlos Drummond de Andrade]
08 Canção Balet [Mário Quintana]
09 Velocidade [Guilherme de Almeida]
10 Os Sinos [Manuel Bandeira]