13/06/2009

Rosa Pardini 1959 “Eu, O Luar & Você” [RCA Victor BBL 1143]

É com emoção que trago mais esta beleza da discografia brasileira, quase perdida no espaço-tempo. Um disco lindo, que deve ser degustado com calma e cuidado, como convém a toda grande obra de arte. Trata-se do terceiro LP da cantora Rosa Pardini, “Eu, o Luar e Você” [BBL 1143] primeiro na gravadora RCA Victor, lançado em 1959, com arranjos e regência do maestro Erlon Chaves, um de seus primeiros trabalhos à frente de uma grande orquestra.

Um mergulho no universo da música brasileira não seria completo se não fossem trazidos à tona artistas que - por puro descaso - caíram no esquecimento, mesmo dotados de características marcantes e trabalhos artisticamente irretocáveis. Para tanto, o trabalho de recuperação dessa memória é indispensável.

Rosa Pardini faz parte deste time de artistas. Cantora nascida em São Paulo em 1926. Teve a voz treinada nos ambientes da música clássica, mas era apaixonada pela música popular. Descoberta em 1943, pelo então diretor artístico da Rádio São Paulo, Oduvaldo Vianna, Rosa Pardini foi durante as décadas de 40 e 50, destaque em emissoras da capital paulista. Gravou diversos 78 rpms e um LP em 10 polegadas com o grande maestro Enrico Simonetti. Apareceu também no cinema e foi apelidada pelo locutor Alberto Nagib de “Pássaro de Ouro”, devido a sua voz cristalina.

Este é seu terceiro disco. São canções, choros e valsas, algumas clássicas do cancioneiro brasileiro, que nas mãos do maestro Erlon Chaves, ganham roupagem ousada e moderna, mesmo respeitando a tradição brasileira das modinhas, valsas e serestas. O resultado é no mínimo fantástico. Há aqui gravações definitivas para grandes clássicos como “Tamba-Tajá” do cancioneiro amazônico de Waldemar Henrique e “Guacyra” de Hekel Tavares e Joraci Camargo.


Registrado em 1959, o disco fez sucesso popular e se destacou numa época em que as gravadoras apostaram em vozes femininas de talento para registrarem discos ousados artisticamente, e se equilibravam entre a música erudita e a popular. Cantoras menos populares como Maria Helena Raposo, Lia Salgado, Leda Coelho e Délora Bueno, conseguiram a proeza de lançar LPs clássicos nestes moldes. Lenita Bruno em 1958 havia registrado pelo selo Festa a obra-prima “Modinhas Fora de Moda”, do qual este disco de Rosa Pardini, é também parente próximo.

Rosa Pardini foi casada com Wanderley Taffo, maestro, clarinetista e arranjador genial, na época conhecido por Siles, líder de um conjunto bastante atuante nas décadas de 40 e 50 em rádios, TVs e discos. Desta união nasceu o guitarrista Wander Taffo. No início dos anos 60 ela diminui a freqüência nas rádios e TVs, mas continua a cantar, infelizmente porém não registra mais discos.

Apenas por ter nos deixado “Eu, o Luar e Você”, Rosa Pardini merece figurar entre as grandes artistas da voz no Brasil. É ouvir, e tirar as próprias conclusões. De minha parte, posso apenas comentar a beleza e a delicadeza dos arranjos e da dicção perfeita da cantora, como na faixa título, que abre o álbum, de autoria de Sivan Castelo Neto - “Eu, o Luar e Você” tem a orquestra discreta emoldurada por harpas, num estilo que apenas na década de 50 seria possível registrar.

“Guacyra” clássico de Hekel Tavares e Joraci Camargo ganha arranjo de bossa, como se dizia na época, com a clarineta - provavelmente o próprio Siles - e um violão já anunciando novos tempos. O arranjo é ousado e brinca de modernidade. Já em “O Que Eu Queria Dizer”, também do mestre Hekel Tavares em parceria com Mendonça Jr, Rosa Pardini surge cheia de ternura transpirando a exata emoção que os autores impregaram tanto na letra quanto na melodia.

Em “Chorinho” o clima se alegra com uma beleza única e o ritmo dolente, Pardini mostra que sua voz também era perfeita para o samba e o chorinho. “...e os três / vão por este mundão que se chama saudade / conduzindo três almas, demais brasileiras /serena tanto / enquanto alguém que ama / abre a janela e espia sobre o luar / que é mesmo um dia / embranquecendo a amplidão...” A poesia é maravilhosa, mas não pára por aqui...

O maestro Waldomiro Lemke, o cantor Agostinho dos Santos e o maestro Erlon Chaves, autor dos arranjos deste disco, foto 1959.

“Se Tu Soubesses” [George Moran, Christóvão de Alencar], traz a cantora de volta ao samba-canção, num arranjo cheio de sutilezas. O lado fecha com “Chuva e Vento” dos consagrados compositores Alberto Ribeiro e José Maria de Abreu. Melodia com não sei o que de moderno, os arranjos novamente na bossa do violão e do clarinete, mas com vibrafone e coro completando a maravilha, tudo soando terrivelmente estranho e moderno: “a chuva cai... / é o pranto amor / da dor universal...”

O lado B abre com “Modinha” de Jayme Ovalle, com letra do poeta Manuel Bandeira, canção que jáhavia sido gravada com grande beleza por Lenita Bruno, e a versão de Rosa Pardini também é belíssima, com destaque para o naipe de cordas. De autoria do maestro Marcelo Tupynambá, de quem Pardini foi crooner em sua orquestra durante anos, está o belíssimo samba “Mal Estar”, com acompanhamento de regional de choro: “Eu não sei bem por que, sinto-me a envolver / um mal estar / sempre que você / sorrindo chega assim a dizer / você como vai?...” Simplesmente lindo!

Harpas e orquestra retornam em “Noite de Garoa” assinada por Amil. Que se para alguns não é uma música brilhante tem pelo menos uma linha na letra, digna de se destacar como fantástica: “...por que soluças tanto ó coração? / não vês que está traçada a minha meta / deixa eu que sofra com resignação /do próprio mal de ter nascido poeta...” Não é incrível?

Há ainda “Tamba-Tajá” de Waldemar Henrique e “A Carícia de Tuas Mãos” valsa pouco conhecida do mestre Joubert de Carvalho. E para encerrar disco, uma canção brejeira - quase um lamento sertanejo - de beleza sublime, composta por outro mestre Laurindo de Almeida [será que ele fez parte na gravação deste disco?]: “Minha Saudade”. “...minha viola não mais geme que maldade / chora tristemente essa saudade... ...quero conviver com a natureza / quero frente a tal beleza / ser menor que não sei que...” Depois disso, não há mais o que dizer, apenas calar e ouvir... Uma boa viagem!

Rosa Pardini 1959 “Eu, O Luar & Você” [RCA Victor BBL 1143]

01 Eu o Luar e Você [Sivan Castelo Netto]
02 Guacyra [Hekel Tavares, Joraci Camargo]
03 O Que Eu Queria Dizer ao Seu Ouvido [Hekel Tavares, Mendonça Jr.]
04 Chorinho [Waldemar Henrique, Bruno de Menezes]
05 Se Tu Soubesses [George Moran, Christóvão de Alencar]
06 Chuva e Vento [José Maria de Abreu, Alberto Ribeiro]
07 Modinha [Jayme Ovalle, Manuel Bandeira]
08 Mal-Estar [Marcelo Tupynambá]
09 Noite de Garoa [Amil]
10 Tamba-Tajá [Waldemar Henrique]
11 A Carícia de Tuas Mãos [Joubert de Carvalho]
12 Minha Saudade [Laurindo de Almeida]

Arranjos e orquestra sob regência do Maestro Erlon Chaves.

Quero agradecer ao amigo e colecionador Clóvis Cordeiro, de Curitiba, quem gentilmente cedeu este e outros discos para digitalização.

Bossa-Brasileira 2009

Queridos amigos, leitores e acompanhantes do Bossa-Brasileira:

Quero informar à todos que não encerramos as atividades!
Porém, estamos totalmente absorvidos por um outro projeto - também sobre música brasileira, do qual falaremos aqui mais adiante - e que tem tomado todo nosso tempo e dedicação. É por uma boa causa, nos intervalos procurarei trazer aqui mais alguns discos, assim que for possível.

Quero deixar pública minha gratidão para com os amigos, colecionadores e pesquisadores Clóvis Cordeiro [de Curitiba] e ao Gabriel Gonzaga [de São Paulo] que gentilmente nos emprestaram alguns de seus raros itens de seus acervos pessoais, discos que assim que for possível, entrarão aqui. Meu muito obrigado à eles e um grande abraço!

E também meu muito obrigado à todos que nos visitam diariamente, mandam emails, comentam, nos enviam sugestões e discos... um abração à todos!

Thiago Mello